A Morte e o olhar de quem não entende o que se passa






A morte é um daqueles assuntos que evitamos até não poder mais, é pior do que explicar como se fazem os bebés, porque neste caso, nós também não sabemos.

No Verão passado, enfrentei um daqueles momentos que sabemos que eventualmente vão acontecer, mas nunca esperamos que seja já: perdi o meu pai. Com 64 anos apenas, era a última coisa que me passava pela cabeça.

Recebi, no primeiro dia de Julho um telefonema às 7 e tal da manhã a dizer “o teu pai está no hospital”. É como se de repente, nos tivessem tirado o tapete debaixo dos pés e dessemos um grande trambolhão, mas claro que dizemos, pronto, está doente, mas vai passar…

Não passou. Estava fora de Lisboa e decorreu quase um mês de deslocações constantes ao hospital para o ver. Primeiro sem sucesso, pois estava no Serviço de Observação e depois lá consegui estar com ele algum tempo. A L passou, em menos de nada, de estar sempre com a mãe, para mal a ver.

As coisas pioraram nos últimos dias. O olhar dela quando me via era de confusão, mas ao mesmo tempo de compreensão. Ela sabia que algo muito errado se passava, então mantinha-se à espera. Estranhamente bem comportada e paciente.

Foi cerca de um mês neste vai e vem, até que o fatídico dia chegou. Não sabia muito bem o que pensar, mas quando olhamos para um bebé, com menos de 2 anos pensamos: ela ainda não percebe nada. Os dias seguintes foram confusos, velório, funeral, papelada para trás e para diante, finanças, habilitação de herdeiros. Passámos vários dias em Lisboa e quando, finalmente, voltei a casa, sentei-me num sofá e senti como se tivesse levado com uma panela na cabeça. A L continuava a observar, sem dizer nada…

Até que eventualmente, voltamos a Lisboa para ver a minha mãe. A menina esteve bem toda a visita. Quando voltámos ao carro, despediu-se da avó e assim que ela entrou em casa, virou-se para mim “mãmã. O vôvô?” Uma criança que mal falava e no entanto, parecia saber que devia esperar a avó ir embora para perguntar. 

Dei-lhe a explicação do costume (que eu odeio) e disse que o avô tinha ido para o céu. Não sou religiosa, não acredito em nada disso e sempre me perturbou esta ideia, mas não tinha nada melhor para lhe dizer. Ela calou-se, mas não por muito tempo…

Sempre que vínhamos à avó, ela mais cedo ou mais tarde perguntava “O vôvô?” Eu respirava fundo e voltava a dizer o mesmo. Até que um dia, numa daquelas lindas noites de Verão, parei no pátio com ela ao colo a olhar para as estrelas (sim, no campo é qualquer coisa de maravilhoso) e mostro-lhe “olha ali no céu” Mostrei-lhe as estrelas e até dava para ver uma constelação.

Ela ouviu tudo muito sorridente e no fim aponta para o céu diz “O vôvô!” Foi quando me dei conta que nunca lhe tinha dito o que era o céu.

As crianças não precisam de grandes explicações, quem precisa somos nós e é isso que nos assusta…

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